Uma nova legislação apelidada de “Lei Anti-Ôruam” vem gerando intensos debates sobre censura, racismo estrutural e a criminalização do funk no Brasil. O projeto de lei, que visa punir artistas e produtores musicais por conteúdos considerados “apologia ao crime”, tem sido amplamente criticado por especialistas e ativistas, que apontam um direcionamento seletivo contra a cultura das periferias.
A iniciativa foi batizada em referência ao funkeiro MC Ôruam, cujo trabalho, assim como o de muitos outros artistas do gênero, aborda as realidades sociais da juventude das favelas. Para críticos da medida, a proposta legislativa faz parte de uma série de tentativas históricas de marginalizar expressões culturais da população negra e periférica.
Funk: Expressão Cultural ou Crime?
O funk surgiu nos anos 1980 como uma manifestação artística e musical das comunidades urbanas do Rio de Janeiro. Ao longo das décadas, tornou-se um dos principais gêneros do país, influenciando a indústria cultural e revelando talentos da periferia. No entanto, por tratar de temas como desigualdade, violência e sobrevivência, o estilo musical tem sido alvo de repressão constante por parte do Estado.
O advogado e pesquisador de políticas públicas Vinícius Nascimento destaca que a criminalização do funk não é um fenômeno novo: “Desde os bailes funks proibidos até operações policiais violentas nas favelas, há uma tentativa contínua de silenciar essa cultura. O Estado não busca resolver os problemas sociais que esses artistas denunciam, mas sim calá-los.”
Seleção Seletiva e Censura?
Para muitos, o problema não está apenas na proposta da lei, mas na maneira como a censura se dá de forma desigual. Gêneros como sertanejo e rock também abordam temas como uso de drogas e comportamento marginal, mas raramente são alvo de investigações ou tentativas de censura.
A socióloga Carolina Matos, especialista em cultura e comunicação, aponta que a perseguição ao funk reflete um viés racista: “A criminalização desse estilo musical reforça o estigma de que tudo que vem da favela é sinônimo de crime. Enquanto isso, letras de outros gêneros que falam de ostentação, brigas e transgressões são aceitas sem questionamento.”
Resistência e Reivindicação
Diante da tentativa de regulamentação restritiva, diversos artistas e coletivos culturais vêm se manifestando contra a Lei Anti-Ôruam. Funkeiros de diversas partes do Brasil estão promovendo debates, lançando músicas-protesto e organizando atos em defesa da liberdade de expressão.
MC Carol, uma das vozes mais ativas contra a criminalização do funk, declarou em suas redes sociais: “Não é sobre segurança, é sobre calar o povo. O funk é a nossa voz, e ninguém vai nos silenciar.”
A possível aprovação dessa lei representa um retrocesso não apenas para os artistas de funk, mas para a liberdade artística e a democracia cultural no Brasil. A cultura das periferias, em vez de ser reprimida, deveria ser valorizada como patrimônio nacional.
A luta contra a Lei Anti-Ôruam não é apenas sobre um gênero musical, mas sobre o direito das favelas e da juventude periférica de se expressar, contar suas histórias e ocupar espaços de poder. O Brasil enfrenta desafios urgentes na segurança pública e na desigualdade social, mas silenciar a arte não é a solução. Pelo contrário, é um sintoma de um Estado que insiste em reprimir em vez de transformar.