Para milhares de crianças com deficiência em São Paulo, a esperança por uma educação inclusiva está sendo substituída pela incerteza e pela sensação de abandono. O recente decreto do governador Tarcísio de Freitas, que substitui cuidadores especializados por estagiários, promete economizar recursos, mas a que custo? Para mães que dependem do suporte escolar, para professores que lutam por condições dignas de ensino e para comunidades periféricas já precarizadas, a medida é mais um golpe em direitos conquistados com muita luta. Enquanto o governo celebra o corte de gastos, famílias e educadores sentem o peso de mais uma decisão que prioriza cifras em detrimento de pessoas.
O decreto e suas justificativas
O decreto do governador tem como foco principal a substituição de cuidadores especializados, profissionais capacitados para atender às demandas específicas de alunos com deficiência, por estagiários. Segundo o governo, a medida busca “modernizar” o sistema e reduzir custos. Essa “economia”, entretanto, não foi claramente quantificada em termos de impacto social. A estimativa de redução orçamentária é de aproximadamente R$ 100 milhões anuais, um valor que, na prática, representa uma fração do orçamento total do estado, mas que é vital para a garantia do direito à educação inclusiva.
Impacto na vida das crianças e suas famílias
Para muitas crianças com deficiência, o cuidador especializado não é apenas um profissional. É quem assegura que elas possam participar das atividades escolares, aprender em condições dignas e desenvolver sua autonomia. Entre as crianças prejudicadas, estão aquelas com autismo, paralisia cerebral, síndrome de Down, deficiência visual e auditiva, deficiência intelectual e outras condições que demandam atenção especializada e suporte para atividades diárias. A troca por estagiários — que, embora bem-intencionados, carecem de experiência e formação específica — coloca em risco a qualidade do atendimento.
As mães dessas crianças também se veem em situações extremas. Sem a garantia de um suporte adequado na escola, muitas precisarão reduzir suas jornadas de trabalho ou abandonar o emprego para cuidar dos filhos.
“Estão tirando dos nossos filhos um direito básico. Quem vai acompanhar meu filho agora? Quem vai garantir que ele esteja seguro na escola?”, questiona Maria Aparecida, moradora de Ribeirão Preto, mãe de uma criança autista.
Reflexos no cotidiano escolar
A substituição também sobrecarrega os professores, que já enfrentam salas lotadas, falta de infraestrutura e baixos salários. “Sem os cuidadores especializados, quem vai dar suporte para essas crianças? Acaba sobrando para o professor, que não tem formação para isso e já está no limite”, denuncia um docente da rede estadual que preferiu não se identificar.
Nas comunidades periféricas, onde a exclusão social é uma realidade histórica, a medida agrava ainda mais as desigualdades. Crianças que dependem do suporte especializado podem ser levadas a abandonar a escola, ampliando o ciclo de exclusão e falta de oportunidades.
Um ataque ao direito à educação inclusiva
O Brasil é signatário de tratados internacionais que asseguram o direito à educação inclusiva, além de possuir legislação nacional que garante a contratação de profissionais capacitados para atender às necessidades de crianças com deficiência. Ao substituir cuidadores por estagiários, o governo desrespeita esses compromissos e coloca em xeque anos de avanço nas políticas públicas de inclusão.
Economia que custa caro
Embora o governo afirme que a medida trará economia, os impactos sociais e financeiros a longo prazo podem ser desastrosos. Sem suporte adequado, o abandono escolar pode aumentar, ampliando a vulnerabilidade social e comprometendo o futuro de uma geração. Para as famílias periféricas, isso representa mais um obstáculo em uma realidade já marcada pela precariedade.
A resposta da sociedade
Organizações da sociedade civil, sindicatos e coletivos já se mobilizam para questionar a medida. A APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) anunciou que irá recorrer judicialmente contra o decreto. Movimentos ligados às causas das pessoas com deficiência também planejam manifestações.
Para os especialistas, a solução para os problemas da educação não passa por cortes, mas por investimentos que garantam condições dignas para todos os envolvidos.
“A educação inclusiva é um direito, não uma concessão. Qualquer medida que enfraqueça esse direito é um retrocesso”, afirma o educador Mauro Inácio, professor de história pública.
O decreto do governador Tarcísio de Freitas é mais do que uma medida administrativa. É um reflexo de prioridades que colocam a educação pública em segundo plano. Em um país onde a desigualdade educacional é tão marcante, cortar recursos que garantem a inclusão é um retrocesso que impacta diretamente os mais vulneráveis.
A pergunta que fica é: até quando os custos financeiros serão mais importantes do que os custos humanos?