Cambridge Analytica: como dados pessoais, algoritimo e medo moldam opiniões

O escândalo da Cambridge Analytica revelou ao mundo uma das maiores violações de privacidade da era digital. Milhões de dados foram coletados de usuários do Facebook sem consentimento explícito, utilizados para traçar perfis psicológicos detalhados e direcionar campanhas baseadas em medos, desejos e crenças. O objetivo? Influenciar decisões importantes, como eleições e plebiscitos, com táticas baseadas na manipulação emocional e desinformação.

Fundada em 2013, a Cambridge Analytica fazia parte de um conglomerado maior chamado SCL Group (Strategic Communication Laboratories). A empresa alegava usar análise de dados para criar campanhas de marketing altamente segmentadas, combinando informações psicológicas e comportamentais com técnicas de persuasão para influenciar decisões de eleitores.

Por trás dessa máquina de manipulação, estava Steve Bannon, estrategista político que desempenhou um papel central no escândalo. Seu perfil alinhado ao nazifascismo moldou estratégias voltadas à polarização, ao reforço de preconceitos e à desestabilização de valores democráticos em várias partes do mundo.

Seus serviços eram frequentemente contratados por campanhas políticas e empresas privadas para atingir públicos específicos com mensagens personalizadas.


O Que Foi o Caso Cambridge Analytica?

A Cambridge Analytica, uma empresa de análise de dados políticos, utilizou informações de cerca de 87 milhões de usuários do Facebook para moldar campanhas eleitorais. O caso ganhou destaque em 2018, quando o ex-funcionário e denunciante Christopher Wylie revelou como a empresa obteve os dados por meio de um aplicativo chamado “This Is Your Digital Life”, que se apresentava como um teste de personalidade, mas coletava informações pessoais e das conexões dos usuários.

Com os dados analisados, mensagens políticas ou comerciais altamente personalizadas eram criadas para influenciar indivíduos de maneira direcionada.

A empresa acessou dados de milhões de usuários do Facebook sem consentimento explícito. O aplicativo “This Is Your Digital Life”, desenvolvido pelo pesquisador Aleksandr Kogan. Cerca de 270 mil pessoas autorizaram o uso de seus dados ao baixar esse aplicativo,porem, esse app que funcionava dentro da plataforma Facebook, também coletou informações dos amigos e toda a rede de amizade dessas pessoas, totalizando cerca de 87 milhões de perfis durante as leições estadunidenses durante a campanha eleitoral de 2016 onde Donald Trump saiu vitorioso.

Como ocorreu a manipulação de dados:

Com base no modelo psicológico OCEAN (Abertura, Consciência, Extroversão, Amabilidade e Neuroticismo), a Cambridge Analytica identificava perfis psicológicos. Por exemplo, pessoas com alto grau de neuroticismo poderiam ser alvos de mensagens que explorassem medos específicos.

Os dados obtidos foram utilizados para criar modelos preditivos baseados no comportamento dos usuários. Esses modelos identificavam:

  • Gostos e interesses: Por meio de curtidas em postagens, vídeos e páginas.
  • Crenças e valores: Analisando interações em discussões e grupos.
  • Medos e inseguranças: Monitorando tópicos sensíveis e engajamento emocional.

Essas informações permitiam segmentar o público em grupos específicos, como pessoas mais propensas ao medo de imigração ou preocupações com segurança, ajustando as mensagens conforme o perfil psicológico de cada indivíduo.
Além da coleta de dados, o papel dos algoritmos nas redes sociais é central na maneira como as informações são disseminadas e consumidas hoje. Esses sistemas, projetados para maximizar o engajamento, priorizam conteúdos que geram emoções fortes — como raiva, medo e indignação —, criando bolhas informacionais.

Dentro dessas bolhas, os usuários têm sua visão de mundo reforçada por meio de conteúdo selecionado automaticamente com base em seus interesses e comportamentos anteriores. Isso gera consequências profundas como:

Redução do pensamento crítico Ao receber apenas informações alinhadas com suas crenças, os indivíduos são menos expostos a perspectivas divergentes, dificultando o questionamento de suas próprias ideias
Polarização social A segmentação algorítmica intensifica divisões políticas e ideológicas, transformando discordâncias em conflitos irreconciliáveis
Amplificação de fake news Notícias falsas se propagam rapidamente, muitas vezes mais do que informações verificadas, moldando opiniões com base na desinformação

Os algoritmos, aliados a estratégias como as de Bannon e da Cambridge Analytica, se tornam ferramentas poderosas para manipular percepções em escala global.
A Cambridge Analytica desempenhou um papel central em campanhas em eleições como Países da África, Ásia e América Latina. As Eleições presidenciais de 2016 nos EUA comprovadamente utilizou dados para favorecer Donald Trump, segmentando eleitores indecisos em estados-chave.

O Referendo do Brexit também teve direcionamento de campanhas feitas pela empresa presidida pelo estrategista Bannon na pró-saída da União Europeia, explorando medos dos ingleses sobre imigração e perda de identidade nacional.

As principais acusações foram:

  • Coleta não autorizada de dados: A empresa acessou dados de forma imprópria, violando a privacidade dos usuários do Facebook.
  • Manipulação eleitoral: A Cambridge Analytica foi acusada de interferir em eleições.

No caso Cambridge Analytica, Mark Zuckerberg, como CEO do Facebook, teve um papel central. Inicialmente, Zuckerberg demorou a responder publicamente às alegações, gerando críticas. Quando o fez, assumiu responsabilidade pela falha em proteger os dados dos usuários. Zuckerberg pediu desculpas publicamente em entrevistas e em um depoimento formal no Congresso dos Estados Unidos. Ele reconheceu que o Facebook não fez o suficiente para evitar que terceiros usassem os dados de maneira inadequada.

Zuckerberg enfrentou longas audiências no Congresso dos EUA em abril de 2018, onde respondeu a perguntas sobre o uso de dados, práticas de privacidade e regulamentação da internet. Ele também testemunhou no Parlamento Europeu, onde foi pressionado sobre o impacto do escândalo na privacidade de cidadãos europeus.

O escândalo resultou em uma multa bilionária de 5 bilhões de dólares pela FTC (Federal Trade Commission) a plataforma que comprometeu-se a melhorar suas práticas de privacidade. Contudo, o caso expõe questões mais amplas sobre o uso ético de dados e a regulamentação de plataformas digitais. Ele também alerta sobre os riscos de manipulação na política contemporânea e a importância de educar a sociedade para identificar desinformação.

Zuckerberg foi amplamente criticado por priorizar o crescimento e os lucros do Facebook em detrimento da privacidade dos usuários. O escândalo Cambridge Analytica ainda é visto como um marco no debate sobre ética, privacidade de dados e responsabilidade das gigantes de tecnologia.


O Papel das Fake News

Essas campanhas altamente personalizadas, muitas vezes, baseado em informações falsas ou manipuladas. Esse conteúdo era projetado para explorar medos, preconceitos e inseguranças dos indivíduos, moldando suas opiniões de maneira insidiosa. Por exemplo, um usuário que demonstrasse insegurança em relação a imigração poderia receber fake news sobre uma “invasão de imigrantes”. Esse método de microsegmentação aumenta a eficácia das fake news, pois as mensagens são ajustadas às emoções e vulnerabilidades de cada pessoa. Notícias falsas foram direcionadas para vários públicos com o objetivo de Gerar medo, como ao exagerar ameaças externas, Reforçar preconceitos e polarizar debates e Criar um ambiente de desconfiança nas instituições.

A Cambridge Analytica ajudava campanhas políticas a criar narrativas polarizadoras e sensacionalistas como Imigração, espalharam mentiras sobre o impacto econômico e social dos imigrantes, crime, inventaram estatísticas ou exageraram problemas de segurança para provocar medo e conspirações, promoveram teorias da conspiração que desacreditavam candidatos adversários ou instituições democráticas.

Essas notícias falsas não eram apenas enganosas, mas também emocionalmente manipuladoras, criando divisões e ampliando preconceitos. Por exemplo, uma das fake news mais conhecidas da campanha foi a teoria conspiratória do “Pizzagate”. De acordo com a desinformação, Hillary Clinton e outros membros do Partido Democrata estariam envolvidos em um esquema de tráfico de crianças operado em uma pizzaria em Washington, D.C. Criando medo moral entre eleitores religiosos e conservadores. Apesar de ser desmentida, a teoria foi tão amplamente difundida ao ponto de um homem armado a invadir a pizzaria para “resgatar as crianças”.

Varias fake news foram construidas para atingir os perfis psicológicos como por exemplo Supostos Planos de Hillary Clinton de Abrir Fronteiras. Muitas notícias falsas foram disseminadas sobre imigrantes cometendo crimes violentos, como assassinatos e estupros, muitas vezes apresentando histórias inventadas ou exageradas.

Além da coleta de dados, o papel dos algoritmos nas redes sociais é central na maneira como as informações são disseminadas e consumidas hoje.
Os algoritmos das redes sociais foram o motor dessa campanha de desinformação. Projetados para maximizar o engajamento, eles priorizavam conteúdo que evocasse fortes reações emocionais, como medo, raiva e choque, criando bolhas informacionais. Dentro dessas bolhas, os usuários têm sua visão de mundo reforçada por meio de conteúdo selecionado automaticamente com base em seus interesses e comportamentos anteriores

A Desinformação como Ferramenta de Poder

O caso Cambridge Analytica demonstrou como dados pessoais podem ser usados como armas na era digital. A manipulação emocional, combinada com fake news, cria um ciclo perigoso de desinformação, onde decisões são tomadas com base no medo, e não na razão. O escândalo não apenas revelou uma violação de privacidade sem precedentes, mas também destacou como a desinformação foi estrategicamente utilizada como arma política. Essa estratégia é, até hoje, essencial para consolidar projetos de poder, enfraquecendo a democracia ao manipular a opinião pública.


A Segunda Vitória de Trump e as Big Techs

A aproximação de Donald Trump com as Big Techs (grandes empresas de tecnologia) foi um fenômeno complexo e, muitas vezes, contraditório, especialmente considerando que, em diversas ocasiões, Trump criticou abertamente essas empresas, alegando que elas eram tendenciosas contra ele e os republicanos.

Em 2024 na sua corrida eleitoral, Donald Trump consolidou sua estratégia política com o apoio dos maiores donos das Big Techs e das redes sociais.

Durante sua cerimônia de posse com presidente estadunidense, figuraram entre seus principais aliados nomes poderosos do setor tecnológico, simbolizando uma aliança entre política e controle de informações digitais como Elon Musk, Jeff Bezos e Zuckerberg. Após a posse, Trump anunciou um pacote bilionário destinado ao setor de tecnologia, justificando o investimento como um estímulo à inovação americana. Críticos apontaram que o apoio estratégico das Big Techs foi decisivo para sua reeleição, especialmente no gerenciamento de dados, algoritmos e alcance de suas mensagens políticas.


Em 2025, o uso de tecnologia e dados será ainda mais sofisticado, e Trump, assim como outros líderes políticos, provavelmente fará uso das inovações digitais para aprimorar sua estratégia política.

O uso de big data e algoritmos avançados já é um fator crucial para moldar a comunicação. Trump provavelmente será beneficiado pelo uso avançado de algoritmos de segmentação, análise de dados psicológicos e Inteligência artificial. Trump pode adotar novas plataformas emergentes ou tecnologias, como realidade aumentada ou inteligência artificial em tempo real, para interagir com eleitores, engajá-los e criar uma conexão mais pessoal e direta com seus apoiadores, além de explorar novas formas de distribuição de conteúdo.

“Liberdade de Expressão”

A defesa de Donald Trump sobre a “liberdade de expressão” nas redes sociais pode ser vista como uma tentativa de manipulação do conceito para legitimar discursos que, ao invés de promoverem o debate democrático, fomentam a desinformação, a incitação à violência e o discurso de ódio. Porém, devemos lembrar que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, especialmente quando essa liberdade é usada para prejudicar outras pessoas ou incitar comportamentos antidemocráticos, como o que aconteceu com Trump em relação ao ataque ao Capitólio em 2021.

Além disso, a preocupação se estende ao fato de que Trump e seus aliados frequentemente invocam a “liberdade de expressão” para atacar as ações de moderação de conteúdo das plataformas de mídia social, ao invés de questionar as práticas autoritárias de manipulação de informações que ele próprio e seus apoiadores frequentemente promovem. As redes sociais precisam ter a responsabilidade de moderar o conteúdo para evitar a propagação de narrativas perigosas e divisivas, como as alegações infundadas sobre fraude eleitoral.

Outro ponto é o fato de que, muitas vezes, a “liberdade de expressão” defendida por figuras de direita como Trump é seletiva, ou seja, é invocada quando essas figuras se sentem censuradas, mas não é aplicada quando se trata de silenciar e reprimir as vozes de minorias, movimentos sociais e protestos, que também têm seu espaço limitado nas plataformas digitais, frequentemente sob o argumento de “discurso de ódio”.

Portanto, a bandeira da liberdade de expressão levantada por Trump nas redes sociais é vista como uma ferramenta política para proteger seus próprios interesses e justificar práticas que minam os direitos civis de outros, disfarçando ataques à democracia sob um discurso de “defesa da liberdade”.

Apesar de ter suas atividades encerradas, a Cambridge Analytica expõe questões mais amplas sobre o uso ético de dados e a regulamentação de plataformas digitais.

A empresa mostrou como o controle da informação é uma arma poderosa. A segunda vitória de Trump, acompanhada do alinhamento com as Big Techs, reforça a necessidade de questionarmos a influência dessas corporações na democracia. Transparência, regulamentação e uma cidadania digital consciente são fundamentais para evitar que dados pessoais sejam usados como ferramentas de manipulação

Para quem quiser se aprofundar no caso Cambridge Analytica, o documentário Privacidade Hackeada e o livro E-Rede são excelentes pontos de partida.

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